Funções do advogado societário

…e a importância da assessoria jurídica na elaboração de um contrato social

Dias atrás estava conversando com um amigo e ele me perguntou qual era minha área de atuação na advocacia, minha especialidade. Disse a ele que atuo com direito societário e contratos. Depois de franzir a testa, ele me questionou o que fazia um advogado societário.

A pergunta poderia ser simplesmente respondida, de pronto. Ocorre que o amigo em questão também é advogado, o que me chamou a atenção.

Em outra ocasião, outro colega também advogado se espantou quando lhe disse que eu estava retornando da assembleia geral de uma cooperativa. Ele não conseguia compreender qual a pertinência da minha presença ali, como advogado, naquele ato essencial ao funcionamento da cooperativa.

Questionamentos assim são mais comuns ainda fora do ambiente da advocacia, em que o público leigo, em sua grande maioria, realmente desconhece as funções de um advogado societário.

De um modo geral, as pessoas entendem perfeitamente as funções de um advogado civilista, trabalhista ou criminalista, por exemplo, pois são áreas mais tradicionais do Direito. Já o direito societário, que é um sub-ramo do direito empresarial, acaba por ficar desconhecido pela população.

Para esclarecer melhor as funções do advogado societário, vou relatar o que respondi ao primeiro colega citado acima.

O advogado especializado em direito societário trabalha prestando assessoria jurídica a empreendedores e investidores para constituição e registro de sociedades simples e empresárias, fazendo o estudo e aconselhamento jurídico do tipo societário a ser adotado no negócio (se sociedade limitada, sociedade anônima etc.) de acordo com as necessidades e interesses dos clientes, elaboração de contratos sociais e estatutos, participação em reuniões e assembleias de cotistas/acionistas e confecção das respectivas atas, bem como acordos de sócios.

É claro que as funções do advogado societário vão muito além das descritas, podendo envolver em casos mais complexos questões relativas a fusões e aquisições de empresas (M&A), auditorias legais (due diligences), governança corporativa, responsabilidade de administradores, blindagem patrimonial e planejamento tributário e sucessório por meio da constituição de sociedades holdings, entre outras coisas.

No âmbito do contencioso, pode atuar em processos envolvendo disputas pelo controle societário, dissolução e liquidação de empresas, exclusão de sócios, apuração de haveres etc.

Basicamente é esse o âmbito de atuação de um advogado societário. Bastante coisa, né? Mas poucos sabem disso.

Aqui no Distrito Federal, onde exerço minha profissão há quase cinco anos, na Seccional da OAB/DF não há uma Comissão de Direito Societário. Os assuntos pertinentes à área societária são debatidos pela Comissão de Direito Empresarial, da qual sou membro.

Aí você pode retrucar dizendo: “Ah, Vinícius! Você mesmo disse que o direito societário faz parte do direito empresarial. Então, qual o problema?”

A priori não há problema. Contudo, penso que se a própria Ordem dos Advogados do Brasil – aqui no caso a OAB/DF – não reconhece a importância do advogado societário, quem então irá fazê-lo?

Faço o destaque de que na OAB/DF existe a Comissão de Direito da Moda, para citar apenas uma que desperta a curiosidade e é bem específica. Mas Comissão de Direito Societário não há.

Já na esfera do Conselho Federal da OAB existe a Comissão Especial de Direito Societário, a qual foi criada apenas recentemente – em abril de 2019 –, sendo presidida pelo renomado advogado Francisco Müssnich[i], que é um dos responsáveis por me fazer decidir atuar na advocacia societária. Optei por me especializar e atuar nesse ramo do Direito ainda no final da faculdade, após ler o livro “Cartas a um jovem advogado”, de autoria dele, em que ele relata suas experiências na área.

Se o advogado societário não é reconhecido por seus pares, não o será pelo restante da população. E isso acaba afetando o exercício da profissão pelo advogado especializado em direito societário.

Exemplo disso é a elaboração do ato constitutivo de uma sociedade empresária, que é função do especialista em direito societário, mas que em razão da disseminação de modelos “prontos e acabados” se tornou um ato praticado por advogados atuantes em outras áreas do Direito ou, pior ainda, por profissionais sem formação na ciência jurídica. E isso é um problema muito sério, que precisa ser debatido pela advocacia e informado ao meio empresarial.

Para quem não sabe, o ato constitutivo, como o próprio nome sugere, é o documento de constituição da sociedade. Nele será delineada toda a vida da sociedade a partir de sua formação.

Para conceituar o ato constitutivo, valho-me dos ensinamentos do ilustre advogado e professor José Edwaldo Tavares Borba, expostos em seu curso de Direito Societário:

“Procede-se à constituição da sociedade através de um instrumento público ou particular, firmado por todos os sócios, no qual se declaram as condições básicas da entidade, inclusive nome, domicílio, capital social, cotas de cada sócio, objeto social, forma de administração, prazo de existência e processo de liquidação.

Esse ato constitutivo deverá ser arquivado, conforme o caso, no Registro Público de Empresas ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas”[ii].

Trataremos aqui somente do contrato social, que é o ato constitutivo da sociedade empresária do tipo limitada, forma societária mais utilizada no Brasil.

Com a crise econômica que afeta nosso país desde 2015, que fez aumentar o número de desempregados, a solução do brasileiro foi empreender. O empregado virou patrão, dono do próprio negócio.

O viés liberal e as medidas adotadas pelo novo Governo acabam também por estimular o empreendedorismo. Outro fator é a corrida pela inovação e o surgimento de novas tecnologias, que culminou no boom das empresas conhecidas como startups.

Seja uma empresa tradicional ou uma startup, toda sociedade limitada necessita contar com o auxílio de um profissional jurídico para a elaboração de seu contrato social, vez que este instrumento tratará da relação dos sócios entre si e da estrutura societária.

No entanto, como dito acima, no Brasil criou-se uma cultura – infeliz e maléfica, diga-se de passagem – de utilização indistinta de modelos de contratos sociais, em parte iniciada por nós próprios, advogados, modelos esses que na maioria das vezes não refletem a realidade do ajuste havido entre os sócios de uma determinada sociedade empresária.

A prática da utilização de modelos prontos de atos constitutivos, especialmente dos contratos sociais, foi disseminada e acaba por ser um ato realizado por advogados sem experiência na área societária, ou mesmo por contadores.

A constatação dessa problemática no cenário nacional foi abordada por Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede, na obra “Manual de redação de contratos sociais, estatutos e acordos de sócios”, tendo os autores feito a seguinte crítica:

“No plano específico da constituição de pessoas jurídicas, essa realidade teve por efeito indiscutível tornar a redação do contrato social um ato realizável por contadores, que não são versados na teoria jurídica, nem acompanham a sua evolução. Contudo, assimilando a cultura dos modelos contratuais, esses profissionais os reproduzem, eles mesmos, por um valor menor, atendendo os clientes. Um equívoco e um grande risco que, todavia, teve causa na própria cultura engendrada pelos advogados, amesquinhando sua função pelo uso reiterado de modelos”[iii].

Não se pretende aqui desprezar a importância dos contadores na atividade empresarial.

O auxílio do profissional contábil é essencial para o desenvolvimento da atividade empresária, assim como são importantes o administrador, o economista, o analista de mercado e todos os demais consultores empresariais, incluindo o advogado societário. Mas cada profissional dentro da sua área de atuação, atuando de forma integrada para entregar ao cliente o melhor serviço possível e, sobretudo, primando pela segurança jurídica, algo que certamente não é alcançado com a utilização de modelos.

Não tenham dúvidas! A elaboração de um contrato social é um ato de suma importância para a sociedade que está em fase de constituição, sendo imprescindível a assessoria jurídica nesse aspecto.

Tanto que o § 2º do art. 1º da Lei 8.906 de 1994[iv] (Estatuto da Advocacia) exige que “Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.” Essa regra não se aplica apenas às microempresas e às empresas de pequeno porte (vide art. 9º, § 2º, da Lei Complementar 123 de 2006[v]).

São inúmeros os exemplos de imbróglios advindos da utilização de modelos de contratos sociais na constituição de uma sociedade empresária, como por exemplo a substituição do sócio falecido por seus herdeiros, que em muitas vezes não guardam afinidade com os demais sócios originários.

Temos ainda como destaque a ausência de previsão da possibilidade de exclusão extrajudicial de sócios minoritários por justa causa, obrigando a sociedade e os demais sócios a ter de recorrerem ao Poder Judiciário para efetivar a exclusão em questão, o que demanda tempo e recursos financeiros.

Muitos dos modelos de contratos sociais contêm poucas cláusulas, no máximo 20, dispostas em duas ou três páginas, tratando apenas de assuntos básicos da relação societária.

Valendo-se da assessoria de um advogado especializado, os sócios podem aproveitar o contrato social não apenas para dispor sobre as cláusulas básicas e obrigatórias exigidas pela lei. Podem tratar de diversos assuntos, entre os quais o direito de recesso (ou de retirada), falecimento ou divórcio (se haverá sucessão do cônjuge ou dos herdeiros), possibilidade de exclusão extrajudicial de sócios minoritários, apuração de haveres e prazo para pagamento, quórum de deliberação sobre determinadas matérias, cessão de cotas e direito de preferência para adquiri-las, entre outros.

Se no ato constitutivo não houver cláusulas tratando sobre esses pontos, é possível realizar a alteração do contrato social para fazer as inclusões desejadas, porém deve ser observado o quórum de deliberação, que no caso é de três quartos do capital social (art. 1.076, inciso I, do Código Civil).

Sempre que possível, procure o auxílio de um profissional especializado em direito societário para elaborar ou fazer as sugestões pertinentes para alteração do contrato social de sua empresa.

Bibliografia:

[i]https://www.conjur.com.br/2019-abr-25/francisco-mussnich-presidir-comissao-direito-societario-oab

[ii]BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 26

[iii]MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Manual de redação de contratos sociais, estatutos e acordos de sócios. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 15

[iv]BRASIL. LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Brasília-DF, julho 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em: 27 dez. 2019.

[v]BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e dá outras providências. Brasília-DF, dezembro 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm>. Acesso em: 27 dez. 2019.

Sobre o autor:

Vinícius Sousa Ferreira é advogado especialista em Direito Empresarial, com expertise em Direito Societário e Contratos. Membro da Comissão de Direito Empresarial e da Comissão de Direito Digital, Tecnologias Disruptivas e Startups, ambas da OAB/DF, no triênio 2019-2021.

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